Resolução CVM 88: como é hoje e o que pode mudar com a atualização da norma
21 out. 2025•10 min de leitura

A evolução é uma característica intrínseca ao mercado de capitais. O avanço tecnológico, a digitalização dos processos e a diversificação de produtos exigem que instituições regulatórias adaptem suas normas. Esse movimento garante que o mercado cresça de forma sustentável, democratizando o acesso tanto para companhias em busca de recursos quanto para investidores interessados em novas opções para o portfólio.
A Resolução CVM 88 foi criada sob essa prerrogativa, regulamentando o equity crowdfunding no Brasil. A iniciativa foi um marco por facilitar o financiamento de pequenas empresas e startups que, em muitos casos, enfrentam barreiras para obter crédito nos bancos tradicionais.
O que é a Resolução CVM 88 e como funciona hoje
Editada em abril de 2022, a Resolução CVM 88 representa um marco para o mercado de capitais brasileiro ao modernizar o regime de crowdfunding de investimento. Essa normativa substituiu a antiga Instrução CVM 588 de 2017, expandindo as possibilidades de captação de recursos para empresas de pequeno porte através de plataformas eletrônicas de investimento participativo.
O principal impulso veio do crescimento expressivo das captações via crowdfunding entre 2020 e 2021, período em que o volume captado aumentou 123%, chegando a R$ 188 milhões. Esse crescimento demonstrou a necessidade de modernizar o arcabouço regulatório existente para acompanhar a evolução do setor.
Características do Mercado Atual
Na primeira versão da CVM 88, os limites de captação foram substancialmente elevados, passando de R$ 5 milhões para R$ 15 milhões por oferta, com prazo de até 180 dias para sua distribuição. Essa mudança ampliou o perfil das empresas, permitindo que projetos de maior porte também utilizem esse mecanismo como alternativa de financiamento.
Embora a CVM 88 tenha surgido com foco em equity, o mercado evoluiu para operações de dívida, principalmente Certificados de Recebíveis. Segundo Nilson Raposo, Executivo Comercial da Oliveira Trust, “um dos diferenciais da CVM 88 é justamente permitir a pulverização dos investimentos. Já vimos operações em que o preço unitário era de R$100, R$200, o que abre a porta para milhares de investidores pessoas físicas, com aplicações a partir de R$100. Esse movimento democratiza o acesso ao mercado de capitais.”
Um exemplo prático citado por ele é o de uma empresa que precisa captar R$ 200 mil para uma reforma. Em vez de enfrentar barreiras bancárias ou taxas elevadas, pode emitir Certificados de Recebíveis via CVM 88 e captar o recurso diretamente junto a investidores pessoas físicas.
A revisão da CVM 88: por que acontece agora?
Em setembro de 2025, a CVM lançou a Consulta Pública SDM 05/2025, propondo uma atualização da norma. O momento reflete o amadurecimento do mercado, com volumes bilionários e participação crescente de securitizadoras e cooperativas.
Entre os principais objetivos da revisão estão:
- Dar maior robustez ao arcabouço regulatório diante do crescimento do setor;
- Incluir o agronegócio, conectando produtores e investidores;
- Ampliar o alcance da norma, com novos limites de captação;
- Fortalecer a segurança jurídica e a proteção aos investidores.
Na visão de Nilson, a expectativa é que o movimento não deve engessar o produto: “É (ou deveria ser) muito mais para organizar ou reorganizar determinados aspectos e ampliar o campo de procura, do que para regrar a ponto de travar.”
Tokenização e o futuro do crowdfunding
Um dos pontos de maior destaque é a abertura para a tokenização dos ativos. Essa tecnologia permite fracionar títulos em unidades menores, facilitando a negociação em plataformas digitais.
Nilson explica que esse é um dos elementos que diferenciam a CVM 88 de normas mais tradicionais, como a CVM 160: “Enquanto na 160 um único Certificado de Recebível é indivisível, na 88 ele pode ser tokenizado e distribuído a milhares de investidores. Já vimos operações de R$ 5 milhões pulverizadas entre 20 mil investidores.”
Os benefícios da tokenização incluem:
- Liquidez, já que tokens podem ser negociados em mercados secundários;
- Rastreabilidade e transparência via blockchain;
- Redução de custos operacionais.
O papel do agente fiduciário na CVM 88
Mesmo em operações de menor porte, o agente fiduciário tem um papel central dentro do modelo de crowdfunding regulado pela CVM 88. Sua atuação garante:
- Monitoramento das obrigações das empresas emissoras, assegurando que os recursos captados sejam utilizados de acordo com o contrato da oferta.
- Comunicação transparente entre emissores e investidores, facilitando o acesso a informações relevantes ao longo da operação.
- Mitigação de conflitos de interesse, atuando como representante da comunhão dos investidores em eventuais situações de divergência.
Essa função é ainda mais importante diante da entrada de novos emissores, como securitizadoras, produtores rurais e cooperativas agropecuárias, que apresentam riscos e estruturas de operação bastante distintas.
A presença de um agente fiduciário qualificado, conforme esclarecido e determinado pelo do Ofício 6/2025 da CVM, representa um avanço importante na estrutura dessas ofertas, reforçando a governança e dá mais confiança ao investidor de varejo, que muitas vezes está entrando nesse tipo de investimento pela primeira vez. Na prática, o agente fiduciário atua como um pilar de governança e proteção, monitorando o cumprimento das obrigações da securitizadora e representando os interesses da comunhão dos investidores, o que contribui para reduzir riscos e assimetrias de informação.
Impactos para empresas e investidores
A CVM 88 já se consolidou como porta de entrada para empresas menores. Nilson destaca que muitas delas podem começar captando via CVM 88 e, no futuro, migrar para operações mais robustas via CVM 160 ou outros instrumentos.
Do lado do investidor, o apelo é a simplicidade: valores baixos de entrada, tokenização e acesso digital. Para empresas, a vantagem está no custo reduzido e em processos menos burocráticos em comparação com captações tradicionais.
Com a revisão, esse alcance será ainda maior. A proposta substitui o conceito de “sociedade empresária de pequeno porte” pela definição mais ampla de “emissor”, criando quatro categorias elegíveis para realizar ofertas:
- Sociedades empresárias não registradas na CVM, agora sem o teto de receita bruta de R$ 40 milhões;
- Companhias securitizadoras registradas na CVM, que ganham segurança jurídica e terão 120 dias para solicitar registro formal;
- Produtores rurais pessoas naturais, desde que escriturem o Livro Caixa, podendo emitir CPR-F;
- Cooperativas agropecuárias, autorizadas a emitir CPR-F, CDCA e Notas Comerciais.
Além disso, os novos limites de captação aumentam substancialmente o potencial do mercado: até R$ 25 milhões para sociedades empresárias e cooperativas, R$ 50 milhões para securitizadoras (por patrimônio separado) e R$ 2,5 milhões por safra para produtores rurais.
Do lado dos investidores, a revisão também traz simplificação. O limite de investimento de R$ 20 mil passa a ser calculado por plataforma, facilitando o controle. E valores recebidos em resgates ou liquidações podem ser reinvestidos no mesmo ano sem afetar o limite anual, incentivando a liquidez.
Como ressalta Nilson, “a 88 não concorre com a 160, porque o público-alvo é diferente. Ela foi criada para pulverizar, para democratizar, e isso vale tanto para o investidor como para o tomador do recurso. Possibilita, por exemplo, que a padaria do bairro consiga acessar o mercado de capitais.”
Como a revisão pode tornar o ambiente mais confiável e atrativo
Ao propor uma reforma estrutural, a CVM busca elevar o nível de governança, segurança e acessibilidade das captações via CVM 88 no Brasil. A ampliação dos emissores elegíveis, combinada ao aumento dos tetos de captação e ao reconhecimento da tokenização como realidade de mercado, aponta para um ambiente mais sofisticado e inclusivo.
Essas mudanças tornam o ecossistema mais confiável para investidores institucionais e de varejo, assim como criam um mercado mais atrativo para startups, empresas de médio porte e para o agronegócio, que passa a ter um canal regulado de financiamento de safras e cadeias produtivas.
O amadurecimento do setor, somado ao interesse de novos players e ao aumento exponencial de operações, reforça que o crowdfunding deixou de ser apenas uma alternativa experimental para se tornar um verdadeiro braço do mercado de capitais brasileiro.
FAQ
O que é a Resolução CVM 88?
É a norma que regula as ofertas públicas de valores mobiliários por meio de plataformas eletrônicas de investimento participativo (equity crowdfunding). Foi editada em 2022, substituindo a Instrução CVM 588.
Por que a Resolução CVM 88 está sendo revisada?
A revisão foi proposta em setembro de 2025 para acompanhar o crescimento do mercado, incluir novos emissores (como securitizadoras, cooperativas e produtores rurais), ampliar limites de captação e adaptar a regulação ao uso de tecnologias como a tokenização.
A CVM 88 pode impactar a tokenização de ativos?
Sim. Embora a CVM adote uma postura neutra em relação às tecnologias, a revisão reconhece a importância da tokenização para o mercado, criando condições regulatórias que favorecem a liquidez, a rastreabilidade e a eficiência operacional dos valores mobiliários emitidos via crowdfunding.